No topo de um penhasco de frente ao mar pode-se ouvir o ruído surdo de ondas que batem nas rochas. O mar aberto parece falar algo, parece convidar, parece saber muito e poder tudo. As ondas escorrem nas pedras, que aceitam os seus afagos. Não há quem não se sinta pequeno, não há quem não pare ao menos por um segundo para pensar na imensidão, no futuro promissor ou no passado enorme. Quem não pensa ao menos sente no gosto do sal e do bafo das ondas algo vital e eterno.
Meu desejo nesse momento é o de elevar minhas asas acima das montanhas que me cercam. Anseio pelo poder e liberdade de olhar horizontes mais largos, e fazer parte de um mundo maior. Quero largar a bagagem de meus temores e apegos e alçar aos céus e gritar do alto aquilo que vejo. Quero ser chamado de louco, e que todos vejam a bondade dessa loucura. Sinto-me intimidado diante desse mundo, rejeitado, assustado. Lutando por um espaço na estrada, por um lugar na fila, por um pedaço da carcaça. Rechaçado por macacos maiores e mais fortes, obrigado a caçar só e a defender minha prole e familia com recursos magros. Sinto também o desejo que esses brutos deixem de ser, que não pisem mais na grama e em todas as coisas boas da vida, e isso significa que eu também devo me desembrutecer, e que devo desembrutecer o mundo que me cerca. Cansei de sonhar represálias e vinganças, ou de me satisfazer pensando que algum dia esses encontrarão seus iguais, e finalmente deixarão de ser. Não assim, não assim... No meio disso o bruto também sou eu que não divido o meu pão da vida com o faminto e violento, com o miserável de esperança e de luz. Já foi dito tantas vezes de tantos modos, a fome que existe não é de pão, mas de espírito, em todas as formas que se configure. A dor que sentimos e causamos é a dor de não entendermos o quão ligados somos uns aos outros.
Por isso resolvi compartilhar o meu pão, que são as idéias que me vem à mente, os cenários que surgem em minha imaginação, as visões fugazes ou duradouras de um mundo melhor, as possibilidades de entendimento e transmutação para chegar ao melhor do que é Real. Isso tudo é parte de meu desejo, é o que me pede meu coração, a exigência disto é o despojamento do medo que sinto de explicar o mundo e a mim mesmo, como os entendo, para você. Isso é o meu pulo no abismo do rochedo, direto nesse mar enorme.
Se for algum tipo de Médium, só o tempo dirá, isso não é realmente importante. Na verdade todos somos Médiuns que canalizam a força milagrosa de nossas vidas em manifestações diversas de experiência e realidade. Todos recebemos a dádiva de uma energia que não é nossa, e minuto a minuto, livremente, a transformamos em ação e relação. A pequena diferença talvez venha do momento em que começamos a perceber que essa energia é tão viva e consciente quanto nós mesmos. Esse é o meu desafio no momento, viver e agir de acordo com o que creio e consigo conceber.
No alto daquelas rochas duma falésia de Búzios me veio a noção do quanto somos, enquanto humanidade, ainda apenas a promessa, a semente ou a larva do que está reservado para nós. E como larvas ou sementes que germinam o período a frente é um período de desafio e mutação para nossa espécie até que finalmente rompamos a casca. Algumas sementes só germinam após o incêndio, ou após serem lixadas pelo embate das ondas na praia, algumas larvas só aparecem renascidas após um longo inverno gelado, mas todas executaram o árduo trabalho de se modificarem e transformarem em algo novo e maravilhoso.
Somos ainda uma infestação de vida inconsciente (ou pré-consciente) a consumir os recursos do planeta – fome, alta taxa de reprodução, voracidade são nossos pecados. Construímos exoesqueletos de todos os tipos – carros, aviões, casas – é um talento natural. E enquanto sofremos mutações e o nosso próprio ambiente muda, nossa pele já não suporta mais os raios solares. Nosso destino parece ser alçar vôo desta esfera. Mas o Universo que parece nos chamar é um lugar ainda imensamente mais agressivo, inóspito e difícil de viver. Nós ainda não estamos preparados para pular no infinito.
Experimentamos cada vez mais o entendimento da Probabilidade, dos Potenciais Infinitos, mesmo enquanto vivemos a Historicidade das Escolhas Pontuais. Tecemos uma trama a partir de infinitos fios vindos do futuro, deixamos o tapete singular feito no tear de nossas escolhas a se desenrolar para o passado. Esse ainda é o ponto de vista humano.
Dizem que o Cosmos está num momento final de pulsação, e que o fluxo da respiração cósmica se reverterá, e com isso pólos se mudarão e o sentido do tempo irá se inverter. Significaria isto que o futuro se torna uma escolha singular, enquanto o passado se percebe tecido de milhares de fios potenciais entrelaçados? Talvez o que mude seja simplesmente o foco do self de individuo para “polividuo” ou “Unividuo”, todos parceiros dum destino criativo e integral. Talvez essa simples mudança perceptiva nos permitisse experienciar essa mudança da respiração cósmica, sem cataclismos ou crises destrutivas, ao aceitarmos a transformação num aspecto intimo e pessoal. Termos finalmente a consciência de que somos Deus, que Deus é o nosso rumo e direção, transforma toda a trama do passado em escolha divina, todas elas nossas escolhas, e o futuro numa coluna de fé e esperança, e não de dúvida e incerteza.
O tempo material, o construído, permanece. A Terra ainda gira no mesmo eixo, o dia ainda sucede a noite que sucede o dia...
Mas talvez por um momento nos sintamos suspensos no meio do ar. Talvez alguns não consigam cruzar essa serra elevada por sentirem-se melancólicos e apegados a alguma antiga definição de seus seres. Quero crer que seu “Poder” se encontrará vazio ao entrarmos nesse novo vale, que todas suas armas, mentiras e defesas não cruzarão o passo estreito. Quero crer que estaremos deixando a terra cinzenta e encontrando, no Futuro, uma terra de promessa.
Eventualmente por força de todas as pressões que sofreremos e dos recursos que dispomos nos tornaremos seres diferentes, por manipulação, escolha, e necessidade. É inevitável. O que escolheremos? Na decisão dos rumos morfológicos e comportamentais de nossa raça, responsabilidade agora deixada em nossas mãos, existe a necessidade do abandono do belicismo e das visões trágicas e culpadas de nossa origem e possível destino. Temos que nos projetar como besouros cascudos, aranhas venenosas, macacos libidinosos e famintos, ou podemos escolher rumos mais suaves, fraternos e prazerosos? Podemos nos imaginar um dia como seres com fusão interna, donos de imensa energia e que não precisam respirar na imensidão do espaço, que pulam de estrela a estrela admirando o cosmos? Qual é a possibilidade não entrópica, o potencial não cessante? Qual é o Infinito que nos chama?
Que me acusem de delírios, o que tento é dar formato às minhas necessidades íntimas sobre o mundo e o futuro, e oferecê-las como oração ao meu Universo. Sei que no final estou falando de mim mesmo e de minha ambição imediata para o meu Mundo. Um mundo aonde ache que vale a pena viver, aonde eu me encontre com você e sejamos um só em essência. Se minha voz nessa cacofonia ao menos aponta para som do Universo, fui abençoado. Se não, continuo trilhando o meu caminho a busca de me purificar o suficiente para ouvir claramente seu chamado no Som das Ondas de um Mar Eterno.
Guga
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