quarta-feira, abril 13, 2005

Idéias da Nova e da Velha Era.

Nunca fui um grande admirador do catolicismo, sempre rejeitei a igreja e a maioria de suas ações e conceitos, mas sempre reconheci viver dentro de uma sociedade católica e estar impregnado desta visão de mundo de um modo profundo e essencial. A morte do Papa naturalmente levantou uma serie de questões sobre a fé católica, e não que eu estivesse prestando atenção, pois estava tentando fazer exatamente o oposto. Mas, lendo um texto de canalização mediúnica (que quando li eu achei fraco) uma pequena idéia se plantou em minha mente. A idéia surpreendente de que o a visão de mundo do Catolicismo tinha validade. Se eu não estivesse lendo um livro do Carl Sagan – Um Mundo Assombrado por Demônios – eu talvez houvesse descartado essa idéia, que vai contra todos os meus preconceitos a respeito do Catolicismo. O livro do Sagan exorta o pensamento critico e cientifico, e pode parecer um contra-senso este modo de pensar quando se trata de trabalhar idéias místicas e religiosas. Entretanto o grande conselho que posso tirar deste livro é o de se aceitar e considerar qualquer idéia sem preconceito, mesmo a desagradável, e pesá-la na balança da razão critica para se chegar a um veredicto.

A idéia de que o Catolicismo representa, uma visão de mundo válida abre para mim uma janela, ainda que pequena, para compreendê-lo, e perdoá-lo. A morte sofrida e lenta do Papa, sua opção de carregar e exibir a cruz da doença e da velhice parece realmente declarar a visão central do catolicismo: A de que este é um mundo de pecado, de sofrimento e de dor, e de que devemos viver em penitencia, junto com a idéia de que os Homens vivem em tal engano e falsidade que torturaram seu próprio Redentor. Independentemente do detalhismo irrelevante e de certo modo amplamente rejeitado de inumeros ditames da Igreja (não usar camisinha como um pequeno exemplo) e do viés frustrado de que este é um mundo de dor e de maldade, me parece que se pode extrair algo muito fundamental e verdadeiro desta visão de mundo.

Voltando ao argumento que Sagan traz em seu livro, aonde critica ampla e profundamente toda idéia supersticiosa e cientificamente incomprovada, num momento ele cita numa pequena frase uma noção muito importante, a de que não é possível se tocar uma vida pensando que a “verba de produção” para esta é infinita. Isto é um ataque, por assim dizer, ao refrão New Age “você cria sua própria realidade” que não é em minha opinião uma idéia errada, mas muitas vezes bastante mal compreendida. Que este ataque possa ser desferido a partir da Termodinâmica, da lei de conservação de energia é bastante curioso, e inteligente. Vejo alguns dizendo “Eu crio minha própria realidade e neste momento estou criando você”, ou coisas do tipo. O que me parece um entendimento menor da questão do que é se criar a própria realidade, ao menos do ponto de vista do Eu (personalidade) que esta fazendo a declaração.

A observação imparcial parece indicar que neste mundo se consegue bem menos do que se deseja, que nossos desejos tem forçosamente que se harmonizar com (ou exercer pressão sobre) todo um ambiente global e social para poderem ser realizados. Parece indicar que temos grande opção quando se trata de nosso “mundo interior”, resistindo a opressão e a injustiça ou aceitando as dádivas da vida com gratidão, mas quando se trata de moldar o mundo exterior a coisa tende a ser mais lenta, tediosa, trabalhosa e frustrante. Quando se trata de moldar obstinadamente o mundo exterior tendemos a tentar cortar caminhos, e a atropelar o próximo e a cometer falsidades e pecados. Que quando muito desejamos podemos estar exacerbando nossos apetites de modos que o mundo a nossa volta não pode suprir, ou no mínimo de modos que não são saudáveis para o nosso próprio corpo físico.

Uma grande revelação para mim, vinda do Don Juan de Castaneda, é que “Deus não se importa”, pense como isto é verdade. É possível se crer que o Deus último tenha algum investimento ou interesse num desfecho em detrimento de outro? Que este Deus possa de algum modo ser induzido a se interessar por nossa realidade e interesses microscópicos? Dá para crer que este Deus não esteja distribuído igualmente de todos os lados da balança? Não creio, mas creio que esse mesmo Deus nos abençoou com enormes poderes, com a força da vida e com a promessa de um dia termos uma Alma. Creio que a batalha diária é a busca por destilar e reconhecer essa essência e de libertá-la deste solo e desta gravidade. E ao mesmo tempo em que Deus não se importa, Deus também está eternamente de braços abertos alimentando de Amor / Energia cada átomo da criação, sustentando todo o tempo e todo o espaço, cada dobra quântica, desde o Inferno ao Paraíso. Abraxas, TAO...

A visão Católica me parece após esta reflexão ser uma tentativa de lidar com esta frustração do mundo material, com essa insatisfação inerente que este mundo é para os apetites infinitos de nosso espírito, principalmente quando direcionados de modo equivocado apenas sobre a matéria do Mundo. Mas a pregação católica se dá ao meu ver de quase sempre de um modo estranho, ao se concentrar na dor e na penúria, que não tanto liberta mais quanto apega. A dor em si não é ainda um aspecto transcendente, superior, e o aconselhamento ao sofrimento como se este fosse libertador é um erro. O que se busca é a aceitação da vida num mundo de limitação, onde estamos acompanhados de outros “eus” nascidos da mesma essência fundamental, bem como o entendimento do verdadeiro processo de crescimento positivo dentro deste cenário até atingir a sua (hipotética) superação. Que a dor seja vista e aceita como parte deste mundo, e que ela seja aceita e contextualizada, ao invés de ignorada como inexistente em tantos cenários de paraíso futuro na terra (ou em outros planetas) prometido pelos novos videntes, me parece eternamente sábio. Que o medo no coração dos homens seja percebido e apaziguado, que as ações dos homens sob o “jugo” deste medo sejam sempre perdoadas, e que as razões para o medo sejam discutidas e anuladas, ou ao menos diminuídas, me parece ação da maior nobreza e o caminho para desfrutarmos um futuro sadio e feliz.

Quero acreditar que todas as Religiões e suas políticas hão de ser superadas e que a Religiosidade ampla, mesmo que indicada por outra palavra, pode se tornar a mola principal da busca e da coalescencia humanas. Estamos realmente adentrando uma Nova Era, uma era em que podemos sonhar com a superação da superstição e do misticismo e dizer que começamos a conhecer a Verdade. É uma época de jogos e de relacionamentos, de imaginar possibilidades e testá-las em simulações e cenários, de experimentar com a memória e inteligência expandida dos computadores, e de buscar modos sadios de vivermos neste mundo. A busca cientifica pela Verdade dos Fatos é em si uma busca Religiosa, de religação do Homem com a Criação pelo entendimento. Pode ser uma tarefa impossível e eterna, e neste processo quem é de Ciência pode ter que chegar a um termo com sua necessidade religiosa e seu temor do trovão.

A Ciência e a Tecnologia possibilitaram um enorme aumento populacional, muitas destas pessoas são almas carentes, famintas, é muita gente. Gente que pode exercer uma pressão tão grande sobre o ambiente de modo que podemos até conceber um cenário de reversão à barbárie e uma época de trevas. Gente que por ignorância e medo pode inadvertidamente apagar a chama da iluminação que atingimos neste presente. Os muros se erguem, as fronteiras tentam se proteger, mas os bilhões só aumentam, enquanto o mundo exterior não. As trevas, entretanto não são deste mundo, sobre o qual o sol nasce abençoando-o diariamente, mas do mundo interior de bilhões carentes, ignorantes ou amedrontados, e dos “iluminados” que resistem, ou não sabem como partilhar sua própria luz. O mundo destas mentes é enorme como bilhões de universos solitários. A verdadeira Realidade Virtual é o que acontece na mente da Humanidade, nossos computadores são apenas simulações eletrificadas desta realidade. Quais são os cenários e os mundos que existem hoje em meio a estes Cosmos disparatados, e quais ainda podem existir ali?

A probabilidade duma época de “trevas” e obscurantismo ainda é real, principalmente se os “justos” insistirem em não arregaçar as mangas e enfrentar o trabalho “divino” que os chama. Muitos de nós estamos esperando que o Pai dê um jeito na casa, eu me incluo neste escalão, e pouco fazemos para amenizar a dor e o sofrimento, e nos rendemos impotentes diante de injustiças e de absurdos. O que nos dispersou, vale perguntar, o que nos impede de nos aproximar uns dos outros e afastar de vez os “demônios” do medo, da superstição, da má vontade, da injustiça, da ignorância?

Não acredito mais nas promessas de redenção fácil, ou de iluminação instantânea, estas foram também para mim o refúgio da Avestruz. Promessas de resgate dos justos, de planetas prisão para os ímpios. O mundo nunca foi assim, por que o seria agora? Por que passaremos por um raio cósmico, por que a pressão das explosões solares está nos afetando, por que a ressonância Schumann está aumentando de freqüência, por que está escrito num Papiro do Mar Morto que ninguém ainda viu? Pode ser que sim, não posso invalidar estas hipóteses e até mesmo simpatizo com elas, todavia é melhor trilhar o caminho estreito com a mesma atenção de sempre, e não achar que nada está garantido e assegurado.

A grande atração das idéias New Age é a promessa que logo este sofrimento e este inferno vão terminar e tudo serão flores e harmonia. Não há como não ser seduzido por essa mensagem, ela dá voz a um desejo muito profundo, um mundo aonde não se precise trabalhar, aonde a gente só encontra com pessoas amáveis e de quem gostamos, aonde o menor desejo se manifesta... Um mundo aonde Deus caminha na terra e nós conseguimos falar com os animais, aonde a energia é livre e gratuita, e não existe maldade ou conspirações, ou dinheiro. A grande repulsão das idéias “Old Age”, alem de seus aspectos quasi-barrocos e sua linguagem fora de época, podem ser atribuídos a sua complexidade e ritualística ultrapassadas, a mensagem de culpa e de dor, a misoginia, o histórico de erros que as velhas instituições carregam dum longo passado humano e político; bem como a dificuldade de acomodar os novos conhecimentos da Ciência e os novos comportamentos da sociedade.

Este breve artigo não pretende ser uma critica feroz ao pensamento New Age ou Old Age, nem poderia dado o enorme escopo de idéias que cabem sob estes títulos. O que pretendo mostrar é que nada indica que mudanças mágicas de intervenção divina vão de fato acontecer. E aconteçam ou não as atitudes essenciais para o vivente que busca algum tipo de saúde integral para si e seu mundo, são fundamentalmente as mesmas. Essas atitudes são tanto New como Old Age – são “Timeless” – fora do tempo.

Compaixão, Desapego, Disponibilidade, a lista é grande, mas não infinita ou inatingível. Esta “lista” de atitudes é tão fundamental e importante que se a cumpríssemos em parte ao menos a própria questão do paraíso na terra seria irrelevante, pois já teríamos ou estaríamos em passo de re-urbanizar os nossos próprios Infernos e o Inferno Geral.

A idéia que pretendo explorar é a de que um ideal religioso mais funcional e afinado com a realidade, com a continua expansão do conhecimento humano, e com a continuidade da totalidade de vida sobre esta esfera tem que ser atingido. Um ideal participativo que oriente e estimule ações concretas e objetivas, sem medo, com a moral do bem maior...