domingo, setembro 15, 2013

O Reciclodita e a Cobra

Antropomedimos
As cordilheiras em polegadas
Os rios em braças
O tempo em que acordamos ou dormimos
Em frações invisíveis

Con-sideramos as estrelas em constelações
De seres e animais que imaginamos
Trogloditando reciclamos em cultura
Uma história que contamos.
Quando digerirmos e regurgitarmos tudo,
Recicloditas garimparemos
As pilhas de trecos que deixamos
Na busca de algum tesouro perdido?

Esqueceremos de quem somos, o que será de nós quando cada um acreditar apenas em se próprio nome? 

Digo para mim:
Aquiete os latidos
Aquiete o sono e o escuro
Galgue acima da névoa
Dentro de uma luz sem em cima
Sem embaixo

O labirinto visto desse alto
Com asas de Ícaro instáveis
O touro raivoso ruge solitário
Chamando de volta pro mundo
Pra luta.

Digo para mim:
Coragem não se precipite, não se assuste com a vertigem de não ser você, de não ser do mundo. Mantenha-se em queda livre, livre de queda.

Veja

Uma Jibóia na água
Se enrosca em si mesma
Vejo isso do azul transparente
Uma cobra se dá o meu nome
Me convence de vestir sssssua pele...
Um turbilhão me engole
E parece natural estar ali
Dia após dia remoendo o futuro com o passado
Dando nome a cada pedaço
Fazendo listas de quantidades
Inventários de badulaques
Lembretes de esquecimento.

Penso:
Criminalizamos a natureza
E escravizamos escaravelhos
Medimos a química de sapos
Enquanto gotejam isótopos da ampulheta atômica
Com a qual resolvemos marcar o tempo.
Nessa clepsidra de nanosegundos
Que divide os momentos divididos
Em pedaços irreais situa-nos em GPS sufocante 
Preciso e inescapável
Enredamos o tempo e o espaço

Damos forma e utilidade a coisas que não existem
Fazemos vigas e colunas de coisas
Que nunca as foram
Fazemos chá de folhas que não eram bebida
Descascamos bananas e tangerinas como se fossem embaladas
Para nós. 

Nossos dedos penetram e manipulam todo recanto escondido
Imorais.
Pulverizamos, desmontamos, escavamos
Fazemos braços e pernas enormes
Derretemos e reformamos,fazemos engenhos, motores, explosões
De coisas que não se projetavam fazemos foguetes,
Nos quais plantamos instrumentos intrincados
Levando botões e questões que inventamos
Pra outros mundos além.

Damos utilidade a coisas que se queriam inuteis

Nossas palavras parecem fazer sentido do mundo
Enquanto o prendem e equacionam
Nomeando todas as coisas
Arrumando nossos neurônios
Como se falar não fosse também mentir
Como se falar e ocultar não fossem a mesma moeda...

Apreciamos
Os valores relativos
Que um mercado futilmente dita
Nossos colares e pulseiras pulsam, pulsarão
Com imagens do pensamento do dia
Do consumo do dia
Revelarão nossa localização e batimentos
Nossa pressão e corrente galvânica
Os pelos arrepiados de nossa nuca
Nossos medos
O momento em que gozamos...
Nos orientarão por um mundo mapeado
E outros mundos simplesmente
Sumirão do espectro visível
Na ignorância e treva, no esquecimento
As trilhas na mata esfriarão,
A mata terá um preço
As estrelas também...
[   X   ] vai colocar sua logomarca na Lua.

Isso tudo é possível, e deverá acontecer
Junto com todo impossível que sou incapaz de imaginar.
O pensar só me leva aonde pensamentos podem levar.
A cera que prende as penas de minhas asas
Não é afeita ao calor do Sol
Para um voo que se limita a uma fuga do mundano
Um alçar-se do horizonte pra nunca chegar no céu.

Esse pobre cordel feio e desconjuntado
É o ridículo do profeta
É um conto de fadas ultrapassado
Mito solitário, medo, solidão
É bater na parede até sangrar
É explicar um elefante pelo tato
Para um surdo mudo.

Aquieto o escuro,
Acalmo os latidos, 
Apaziguo os pelos,
E lá está o mundo
Vomitado pela cobra.



Um comentário:

  1. Jonas e a baleia... Muito lindo, para mim já estaria completo na 7a estrofe, "lembretes do esquecimento".
    Adorei "Mantenha-se em queda livre, livre de queda."

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