quarta-feira, maio 17, 2006

Temor a Deus, meu Pai e outros assuntos entremeados

Não consigo me livrar das preocupações sobre o ambiente que me cerca. Pensar no crime organizado no Planalto, no crime organizado que ataca como guerrilha em São Paulo, na dissolução do valor econômico dos meus proventos e na percepção de diminuição da minha liberdade, causa uma angustia estranha, um desgosto, uma sensação de que o mundo finalmente enlouqueceu e estes são os fins dos tempos.

Antigamente, talvez nem tão antigamente, existia o conceito de temor a deus. Este conceito foi sendo abandonado, justificando-se sua obsolescência de vários modos. A ciência (falando de modo genérico) resolveu o problema não acabando com o temor, mas acabando logo de vez com Deus – acho que o temor ficou. Outros preferiram acabar com o temor argumentando que Deus afinal é um cara bonzinho e não tem nada pra ser temido, e encheram seus templinhos com almofadinhas, incensos e florzinhas secas. Pintaram uma carinha alegre naquilo que não se entende e usaram como decoração.

Dá para entender por que a idéia de temer a Deus não é POP, tanta repressão, a gente fica querendo um alivio, ao menos vindo lá do alto. Me dei conta que a 2ª guerra acabou apenas 17 anos antes de eu nascer, 17 anos tenho de historia com minha esposa e parece que foi ontem. Claro Deus é Amor, mas o Amor de Deus, quem agüenta? Aquela luz poderosa que entra em todos os cantinhos e efervesce toda a sujeira, que nem Alka Seltzer só que infinitamente mais forte...

E tem tambem a pressão da modernidade, somos todos descolados e ninguém é de ninguém, pra que ter temor do Barbudão? Eu passo pra outra, sou mais EU, me garanto.

Temor a Deus, que piada...

Ou é mesmo?

Eu não temia o meu Pai, nunca me bateu, e foram tão poucas as vezes que ele falou alto comigo que eu nem lembro se de fato ele falou alto comigo. E houve vezes que eu o desafiei, abusado e adolescente, precisando saber quem eu era. Apesar disso a imagem dele, apenas um homem, é uma coisa enorme em minha mente, uma presença constante em meu espírito, e me assombra com quem ele era, e com quem eu podia ser pelos seus olhos. Talvez eu temesse o meu Pai, e a única coisa “assustadora” que ele jamais fez foi me amar, cuidar de mim, patrocinar meus sonhos.

Essa gente ai, que mata por ordem de presidiário criminoso, que rouba como se fosse o fim do mundo e a tábua da salvação fosse uma mala de dólar não tem medo de nada, não dá satisfação a ninguém. Seus espíritos estão trancados em cavernas escuras aonde tentam se esconder da luz e do amor do Pai, de Deus, da verdade do Tão, ou como se chame nossa origem. Essa gente que insiste no erro, mesmo que errar seja em nossa esfera uma coisa relativa, erra por se apartar da verdade e da vida, erra por se condenar a uma existência miserável e por criar uma terra devastada.

Sua dor ressoa e nos assusta, em sua confusão nos agridem, roubam, e matam. É sinal dos tempos? É nossa própria dor e medo, espelhada, magnificada, distorcida? É algo que passará, como tudo passa, e eventualmente pássaros voltarão a cantar, flores a florir, crianças a brincar? Ou é algo com o que eu tenho que lidar, no meu intimo e no meu mundo, para que este continue e tenha uma chance?

Meu Pai era só um homem, e como eu ficava confuso quando lhe fazia de diversos modos essas mesmas perguntas. Ele tentava apaziguar o meu medo e minha dúvida, e tentava ser mais que apenas um homem, mas não conseguia e era injusto que eu o quisesse infalível. Eu não sabia mais a quem perguntar, a quem recorrer. Da minha própria caverna me irritava com suas respostas, me antagonizava às suas soluções que sabia serem incompletas, enganadas, relativas.

Meu Pai não podia me proteger desse temor diante da amplitude do horizonte desconhecido, me resguardar da maturidade e responsabilidade da consciência, me saciar uma fome imortal. Ele só podia estar comigo, mortal, numa existência compartilhada, e ser quem foi, meu Pai.

Essa gente que ai esta, roubando e matando não é diferente, só que enlouquece diante do vazio por traz desse horizonte concreto. Batalha por uma pega, uma alça na borda dum mundo chato, que os impeça de cair num abismo. Engalfinham-se e se empilham para ver quem está mais alto, bocas cheias de carniça, mentes cheias de fumaça e solventes. Pobres, destemidos, nada respeitam, nada lhes dá a noção de seus limites, nada lhes indica suas possibilidades ou os faz sonhar com seus destinos eternos. Pobres, desconhecem o medo que sentem da inevitabilidade de seu envelhecimento. Ignoram o desperdício de seus talentos, desprezam a dádiva da existência que lhes foi concedida. A saída do labirinto ou os ilude ou não os apetece.

A pressão aumenta como um maçarico, inescapável. Luz inexorável, que revela e purifica. Os segredos expulsos de suas tocas, todas as mascaras e muletas dissolvidas. Quem vai sobrar de pé, quem vai poder dar a mão e mostrar sua própria face?

Mas isso ainda é o meu desgosto falando, meu desejo que haja um julgamento e uma separação de joio e trigo, uma justiça, um governo no meio de tanta desgovernança, e um futuro para nossa raça, para a vida, para o mundo. Esse julgamento está acima de minha capacidade, e de minha inteligência. Apontar o dedo, jogar a primeira pedra, se somos todos um, vai me pegar na cabeça. Se eu estivesse acima disso tudo, estaria acima disso tudo e não estaria aqui... (em excelente, e indiscutível, lógica lusa). Por isso só o que eu consigo extrair dos meus neurônios e suas parcas e chamuscadas sinapses, sem ficar maravilhado demais com minha própria voz, é que este é o Meu Mundo, interno e externo e eu tenho que trabalhar para fazê-lo melhor, fazendo-me melhor, a todo risco, a toda prova. O Horizonte que me assusta, e me atemoriza, é o mesmo Horizonte do Reino que o Pai me preparou, é o futuro infinito que me aguarda, é o passado interminável que me apóia. Tudo isso, em se tratando desse mundo de aprendizado, vai passar, eu vou, você vai; malas, dólares, cuecas e metralhadoras mais ainda.

Ainda não é a minha hora, mas é sempre bom saber que meu pai vai estar lá, como sempre esteve, quando puxarem o meu tapete, quando se abaixar a cortina, e eu espero estar lá no momento certo, de algum modo, para você.

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