Não é um assunto fácil, leve ou que encha a gente de
esperança. Meu primo se matou com uma bala no crânio, por dentro da boca, para
fora da cabeça. Isso me afeta de tantos modos que não sei como começar, ou se
devo elaborar este texto. Aonde isso pode levar? Não é uma futilidade, uma
vaidade se apropriar e discorrer sobre um assunto que não me pertence? Esse ato
tão violento e dramático, final, mas que me faz perguntar, no que isso
resulta?
A verdade é apenas essa, só o que posso fazer com honestidade é falar sobre como isso ou aquilo me afeta, pois meu
primo escolheu seu próprio caminho, aparentemente de forma inexorável e
premeditada, e peço perdão aos outros tocados por esse assunto pela minha impressão pessoal registrada aqui.
Meu pensamento me leva a buscar motivos, uma lógica, ou uma
paixão, enquanto minhas tripas se embolam e a ficha duma compreensão maior
balança, mas não cai. Como ainda se agarra minha mente à superfície dos fatos,
a cronologia dos atos, ao encadeamento disso e daquilo, como se essas
explicações bastassem. Se bastam, ou se me contento com elas, me parece, ainda
assim permanece no meu peito um hálito curto, e uma queimação sem balsamo no
coração e no estomago. Uma pílula que sufoca e anestesia, sem conforto.
Esse parente já ia distante, morava num corredor longo de
muitas portas trancadas, ou lá coloquei tudo que dele existia para mim. Um
longo telescópio pelo qual eu nada via. E enquanto isso naquele quarto
distante, por razões que devem ter feito imenso sentido, meu primo montou sua
despedida, deu a sua vida um fim e uma finalidade, qual seria?
Examino meu próprio coração cansado e ressentido, tento
examinar meus atos e motivações, busco por essa alma perdida que não sou eu nem
é ele, ou sequer alguém, mas o espaço que existe e entremeia. Tantas igrejas
cruéis não o velariam, tantas explicações lógicas me isentariam de me importar,
ou me permitiriam prosseguir meu rumo sem desvio, justificado em meus modos.
Vencedores, perdedores, aparências e enganos. Me saltam aos
ouvidos as palavras Orgulho e Vaidade, e mesmo Egoismo. Ó julgamento tão duro,
como ver os fatos e perdoar, e acolher, simplemente. Não consigo realmente
imaginar o que diria, houvesse oportunidade concreta. Mesmo isso me parece uma
desculpa fajuta quando se contempla esse vazio, esse hiato imenso e sem
explicação ou tempo que é a Alma, onde flutuam sem mascaras pensamentos e
emoções, onde meu próprio nome não faz sentido, onde meu primo, ou apenas outro
humano jaz dolorido, violentado, interrompido.
Como pode ser? Como isso pôde acontecer? Como alguém pode se
colocar tão só e distante, e que mundo existia em sua mente aonde uma bala
cruzando o cérebro e interrompendo a vida de seu corpo transitório, poderia
resolver e terminar a equação aberta do viver? Sentido, propósito, até mesmo
vitória ou a mera explicação, quanto sofrimento, quanta aposta perdida nas
areias movediças.
E me pergunto, será que ele está em algum lugar? Não o corpo
“dignificado” pela cosmética funerária que vou encontrar no velório. Não as
histórias e versões, não as responsabilidades e cobranças. Não à alma perdida
dos espiritas vagando num limbo de auto punição, ou o excomungado católico que
não pode por seu máximo pecado ser velado. Crueldade... Me pergunto se algo
pode ainda ser dito e feito no intervalo de eternidade entre o passado,
presente e futuro, nesse hiato sem teto aonde flutuamos infinitamente. Posso
crer que é real? Posso me recusar a abandonar e simplesmente ser fiel à vida?
Posso estar permanentemente presente e disponível, e oferecer paz, bem, cura,
abrigo, balsamo?...
Não me dissolverei na mesma tempestade que rasgou meu primo,
não vou me afundar no mesmo atoleiro de emoções e carências confusas dos que ficaram “para
tras”?
Tirar a própria vida, um ato de coragem estranha, e de trágica
distancia entre um e si-mesmo. Ver-se como objeto que ao ser erradicado resolve
seus próprios problemas... uma loucura que só pode surgir nas dimesões ilimitadas do ser. Quem pode fazer isso senão um ser que nunca foi
prisioneiro desses problemas para começar? Todas as culpas são ilusões e
falsidades desse mundo, mágoas e cobranças daqueles que se sentiram
abandonados, ou a punição que talvez ainda continue ecoando no redemoinho dum
EU insistente. Quantos mundos e tragédias podemos encenar..? A única dó é a do
aprisionamento em bolhas cegas e estanques, e mesmo estas são lixadas e
rompidas, eventualmente revelando o espaço destampado, sem bordas ou fundo,
calmo espaçoso e silente.
Meu primo: rogo para que suavemente penetre em sua mente uma
centelha que emende seus pedaços, que se torne uma voz que o exime de exigência
ou culpa, que o exime de ambição ou vitória, que apaga seu nome e todo registro
passageiro e que te deixa em paz e revigorado para de novo ser quem você realmente
é. Um ser livre de culpa, dívida ou mágoa. Rogo para que você rapidamente seja
reconhecido no meio dos seus, e para que sua cura se dê rapidamente, aonde quer
que você se encontre. Que quando suas cinzas se dispersarem no vento e no solo,
que esse vento traga um novo alento, que esse solo mais uma vez te acolha e
sustente, e que o céu, ah! Que o céu que tudo acolhe esteja sempre presente para voce!
Bonito Guga.
ResponderExcluirVendo o Toni hoje, tão jovem, tão bonito, tão isolado dos que o amaram em vida, pensei que, como vc disse tão bem, "Tirar a própria vida é um ato de coragem estranha e de trágica distância entre o um e si mesmo". E sinto muita tristeza ao pensar quantt o Toni perderá por ter feito essa escolha. Enfim, desejo que ele encontre muita paz por esses caminhos por onde todos um dia nós também passaremos.
ResponderExcluirFalou tudo, Guga... a atitude do Toni me deixa desnorteada, assustada, triste e surpresa. Tomara que ele finalmente encontre Paz que estava procurando.
ResponderExcluirOi Guga, tb fiquei desnorteada,
ResponderExcluirmesmo eu estando também longe desse irmão que já ia distante e "morava num corredor longo de muitas portas trancadas..." eu fiquei muito abalada, porque tinha que ser assim? Não consigo entender ...
E sinto saudades do que poderia ter sido...
que ele encontre paz no seu caminho
bjs
da prima Isadora Scheer Casari